Os Dois Lados Da Romantização do Autismo

        Oi, desejo que tudo esteja bem com você? Eu sou Eliane Santos, mãe de um autista e quero falar com você sobre a romantização do autismo, que ao meu ver tem dois lados.

         Primeiro vamos ao que significa o termo romantizar o autismo. De forma bem clara, é fantasiar uma situação ideal, no caso  o autismo. Romantizar o autismo é sustentar e defender uma perspectiva de forma particular, ignorando todas e diversas realidade que envolve o tema. 

         Devemos  considerar que existe vários pontos de vista em relação ao autismo. Por exemplo, existe o ponto de vista de quem é responsável e que pode ser também a mesma pessoa que cuida, o ponto de vista de cuidadores profissionais, da sociedade de modo  geral, das equipes multidisciplinares e da sociedade representativa, no caso, os poderes. Cada um desses grupos tem uma perspectiva diferente sobre o autismo. E a perspectiva passa por fácil de lidar, difícil, e nem tanto.

        Como mãe de autista que sou, eu vejo dois extremos na romantização do autismo.  Vamos dar uma olhada em cada um desses extremos de forma individual e por fim quero compartilhar o que acho de tudo isso.

         Como disse, em se tratando de romantizar autismo, temos dois lados onde um deles é mostrar um autismo que é tranquilo, fácil, sem prejuízos, com futuro promissor. Um autista que estuda, trabalha e é independente.

         Pra começo, percebo que essa forma de ver o autismo de forma romantizada, vem de profissionais que de alguma forma estão envolvidos com o tema. É interessante pra eles então, que seja colocado pra seu cliente, uma visão positiva do cenário.

        Mas vamos falar da perspectiva da mãe atípica. Será que existe esse autismo suave de se viver na perspectiva dela?  O que poderia tornar essa vida atípica mais leve? Sem dúvida, a vida de um autista, do ponto de vista de quem convive mais próximo dele,  pra ser mais leve, passa por vários fatores, como por exemplo, a situação financeira da família. 

         Mas é importante salientar  que essa “leveza” da vida atípica devido a uma situação financeira equilibrada, não consegue resolver todas os desafios que o autismo traz. Sim, é importante a consciência de que, mesmo com condições de oferecer todo o suporte multidisciplinar que a pessoa autista  precisa, não significa que essa calmaria irá transpor pra  dentro do próprio autista e nem tão pouco pra sociedade que ainda precisa de muita informação sobre o assunto.

         Penso que uma das formas de diagnosticar essa romantização do autismo positivamente por parte de algum responsável atípico envolvido, e/ou da família, é prestar atenção o quanto de investimentos é dedicado nesses fatores abaixo e daí surgirá a conclusão: tá explicado.

 

  • Quantas terapias mensais;
  • Quanto de acompanhamento psicológico;
  • Quanto de assistência necessária de toda equipe multidisciplinar;
  • Quanto de assistência o responsável tem ( na maioria das vezes, quem é mais presente é a mãe );
  • Quanto de recursos disponíveis essa família atípica tem;
  • Entre outras abordagens, está sendo oferecido pra pessoa atípica.

         Acredito que não é desconhecido de ninguém que o autismo demanda uma vida financeira equilibrada e robusta, até porque todas essas abordagens necessárias, não são baratas. 

          A não possibilidade de oferecer todas as oportunidades de desenvolvimento e de independência pro filho autista torna a vida de uma família e em particular da mãe, uma vida nada leve, nada tranquila.

       Só relembrando, depois do autismo ser tranquilo pra família, ainda precisa  ser leve em termos sociais. Porque mesmo com todos os progressos recebidos com todos os acompanhamentos, a sociedade ainda terá que conviver com uma pessoa atípica, uma pessoa com jeito de ser diferente, pois autismo não tem cura.

           E quando falamos na convivência de autistas na sociedade, ou seja, na inclusão, esbarramos na falta de informação sobre o tema. É necessário conhecimento de causa, pra se conviver, sem anular. E nesse momento o investimento teria que ser dos poderes da vez.

           Mas, só abrindo um parêntese, ao meu ver, tem uma pessoa ideal pra levar essas informações, e não é quem está sentado nas cadeiras das leis. Tem a pessoa certa pra investir nesse avanço da inclusão, mostrando a realidade.  E a menos que essa conscientização comece já, e de forma estratégica, a romantização continuará avançando e a inclusão seguirá cada dia mais distante e lenta.

 

        Há quem diga que o fato dos autistas serem mostrados sempre como superdotados em trabalhos artísticos se destacando de outras pessoas, assentua essa romantização positiva do autismo diante da sociedade, criando um problema muito sério frente à decisões políticas, por exemplo.

         Isso porque alguns poucos autistas são superdotados porque tem também uma síndrome chamada de Síndrome de Savant e segundo dados o percentual  atípico estimado dessa síndrome entre autistas é de 10 a 30 por cento. Mas a síndrome de Savant não acontece só com autistas,  é bom lembrarmos.

          Então, existe um “autismo mais fácil de ser levado ” pela  família que tem os recursos necessários, que tem como investir em todas as abordagens pedidas pelas equipes de profissionais envolvidos, o que não é a realidade da maioria das famílias atípicas. Mas que também essa facilidade se transforma em dificuldade quando enfrenta o meio social desinformado.

       Esse é um dos extremos da romantização do autismo. É a forma de ver o autismo ignorando todo o investimento que ele  pede; ignorando crises que podem surgir, ignorando dificuldades emocionais de quem vive no espectro e ainda focando numa minoria atípica que possui habilidades extraordinárias e que certamente recebe assistências pra avançarem.

        Por outro lado existe a romantização negativa que é o outro extremo, que mostra um autismo vítima, focado em sofrimento, frustrações e que está fadado a assistências. 

         Quando as mães atípicas aparecem, nos meios de comunicação, contam o seu dia a dia desafiador, como forma de sensibilizar e informar a sociedade sobre a causa , mas parece que o resultado não é o esperado.

          Por isso eu falo, são várias perspectivas, vários discursos que a sociedade recebe sobre o autismo e é comum agente querer ouvir quem entende, profissionais do assunto, mas devemos entender que teoria é uma coisa e prática é outra.

          Dito isso, eu sinto que como mães atípicas, muitas vezes, quando temos a oportunidade de falar, nos posicionamos inconscientemente desse lado da romantização negativa do autismo e geramos também de forma inconsciente o sentimento de dó no coração de quem ouve.

          Se pararmos pra observar, as mães atípicas que trabalham e conseguem manter sua vida profissional ativa, mesmo tendo um filho autista, elas pouco levanta a bandeira da causa porque, ou usam suas aparições pra divulgar os seus trabalhos ou se calam. Digo mães, porque é quem mais vemos falar sobre o tema, é a que sente mais, é a que chora mais, é a que cuida mais.

          Diante disso se forma o cenário de que, quem fala sobre sua dor, é porque não tem o remédio; e quem tem a dor, mas também tem o remédio, se cala.

          O problema da romantização é grave porque cria conceitos na sociedade e também leis pra resolvê-los. A visão de um grupo, passa a valer pra toda a classe e uma das mensagens que fica nas entrelinhas é que os autistas são pessoas que não conseguem retribuir como todo o cidadão o que a sociedade da “reprodução industrial” investe nele. 

          Essa romantização negativa, colabora pra formação da visão de algumas representações dos poderes, que investir na causa autista é investir em alguém que na maioria da vezes, nunca terá poder de compra e não pagará imposto, não irá conseguir se juntar ao mercado de trabalho, também  não irá contribuir com previdência social e muito menos votar pra mantê-los nas suas cadeiras.

         O assistencialismo através das ajudas dos poderes, cria um círculo certeiro do dinheiro que sai dos cofres da previdência e volta pras farmácias e mercados alimentícios, mantendo até onde der, o ciclo oriundo dessa romantização negativa, que seria quebrado, caso suas mães atípicas tivessem pelo menos a chance de trabalhar e manter suas vidas profissionais em dia, e que pra isso precisam receber apoio de verdade dos poderes.

          Isso porque o que tem sido feito pra ampliar as chances de trabalho pras mães não somente de autistas, mas de outros deficientes, não tem sido suficiente.

         Enfim, o que eu acho de tudo isso? De que lado eu fico? Eu tenho procurado o lado do equilíbrio, da realidade. Quando romantizamos positivamente dizemos que é fácil, quando romantizamos negativamente dizemos que é difícil. E como vimos, depende de vários fatores.

           Não posso negar que do ponto de vista de uma mãe atípica, o autismo é capaz de nos subtrair vida social, vida profissional, passeios, sonhos e tantas coisas.

         Mas também entendo que uma vida financeira resolvida e ativa, por parte de uma mãe atípica, traz a possibilidade de planejar um presente e um futuro com as assistências necessárias pra uma mãe atípica idosa conviver com um filho atípico dependente ou não.

           Existe as verdades incontestáveis dentro de cada história atípica, que é única e precisa ser vista como tal, não de forma agrupada. Os rótulos acabam distanciando a realidade e o que precisa ser feito pra cada história

           E mais, percebo no meu dia a dia atípico como os dias mudam de conceito. As vezes sinto eles mais pesados, as vezes mais leves, daí a necessidade de equilibrar o tamanho do peso com o tamanho da força.

           Acredito também que do ponto de vista da mãe atípica romantizar negativa ou positivamente passa pelas expectativas que criamos.  O que eu espero dos poderes, da escola, da sociedade? Esperamos que uma sociedade padronizada, foque numa minoria diferente? 

           Quanto mais expectativas, mais  decepções, daí a necessidade de encarar a realidade limpa. Os desafios do meu “Mateo” são meus e tenho que procurar formas de torná-los resolvidos.

        É claro que a participação da sociedade, da atenção dos poderes é imprescindível, mas será mesmo que dar uma assistência com uma mão e tirar com a outra é a melhor  forma? 

         Eu vejo que existe a possibilidade de ver o autismo de forma mais leve, quando temos uma vida financeira equilibrada somado com o entendimento de que o autismo é uma missão que o Criador coloca na mão de cada família, de cada mãe.

           Se cada família atípica entender e cumprir o seu papel na sociedade, a vida pra todos os envolvidos com a causa ficará com certeza, mais leve. A família é a base, o começo pras coisas começarem caminhar em direção ao que é considerado melhor, em direção da equidade.

           Lembremo-nos que o frio vem conforme o cobertor.  Fácil e difícil, vai depender se estou colocando o cobertor em uso. Mas vivendo um dia por vez, vivendo o propósito de cada dia, chegaremos lá, eu acredito.

Eliane Santos, mãe atípica

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